O aprendizado e prática da filosofia Lean invariavelmente permeia pontos relacionados à
cultura oriental. Questões como disciplina, organização e respeito são constantemente
citados em artigos, livros e eventos Lean. Os pontos podem rapidamente ser conectados
quando comparamos as principais diferenças com a cultura ocidental.
A cultura japonesa especificamente ganha maior destaque quando os pontos levantados
são analisados no âmbito das artes marciais. Por trás de toda a filosofia e princípios das
artes como Aikido, Judo ou Kendo está o Shu-ha-ri. Conceito que descreve os três
princípios do aprendizado. Para nós ocidentais, algo novo, já para os japoneses, algo
sem definição, uma vez que eles exercitam os conceitos de forma natural ou até
inconsciente. Basicamente Shu-ha-ri é um conceito que define uma estrutura para que
aprendizes possam atingir a maestria em determinado assunto.
A etimologia define cada fase da seguinte forma:
Shu - “aprender”, “seguir”
Adquirir um novo skill requer certa disciplina para que os conceitos sejam absorvidos,
portanto é esperado que o aprendiz siga os movimentos do seu mestre, sem questionar ou
buscar entender o que tem por trás de cada um deles, até que todos os movimentos se
tornem naturais. O aprendiz deve confiar plenamente em seu mestre nesse momento, uma
vez vai seguí-lo cegamente. Nas artes marciais, essa etapa se estende até a faixa preta.
Ha - “refletir”, “colecionar”
Com uma série de técnicas e aprendizados na bagagem, o aprendiz segue sua jornada com
os movimentos que aprendeu, mas uma vez que não precisa mais pensar sobre os
fundamentos, é hora de entender os “porquês”, refletir sobre cada movimento e a relação
entre eles.
Ri - “ser”, “definir”
Momento de transcender, atingir a plenitude, se tornar o mestre. O aprendizado vem do
autoconhecimento e prática e não mais de outros mestres. Fase onde as adaptações e
invenções de novas técnicas são criadas.
Se analisarmos de forma abstrata, podemos utilizar esse conceito para a formação e
aprendizado de maneira ampla e em qualquer cenário, seja indústria, ciência, ensino, etc.
Exemplificando, imagine que sua empresa acabou de contratar um novo líder. Para que ele
possa atuar de maneira adequada, ele precisa ser capacitado. O que boa parte das
empresas hoje em dia faz, é colocar o novo colaborador em uma sala de aula por algumas
semanas para que ele possa entender o que a empresa espera dele. Não raramente, o
colaborador recebe um manual de 200 páginas descrevendo quais são suas atribuições e
depois desse período a empresa o considera apto a iniciar suas atividades.
Shu-ha-ri segue um modelo de aprendizado natural, se você quer aprender métodos
ágeis, vai se capacitar em Scrum e seguir o que o Scrum Guide determina ( Shu ) no primeiro
momento, somente depois de um período vivenciando e experimentando Scrum e outros
frameworks, você será capaz de entender a relação entre eles e quais as motivações por
trás de cada prática e processo descrito nos guias ( Ha ). Por fim, depois de muito
aprendizado e experimentação chega o momento de definir seu próprios guias e métodos
( Ri ).
O que está implícito no conceito é o equilíbrio entre prática e estudo, ponto que a
pedagogia vem se aprofundando nos últimos anos. O método de ensino 100% sala de aula,
além de defasado é ineficiente, o conteúdo quando não praticado, é perdido. Modelos como
o 70/20/10, learning-shots tem se provado muito mais efetivos e com menor custo. Um
exemplo recente e bem disruptivo no método de aprendizado é a universidade sem
professores inaugurada nos EUA.
Aliando Shu-ha-ri e modelos modernos de ensino permite à empresa setar o mindset do
método de aprendizado ( Shu-ha-ri ) junto ao novo colaborador e desenhar modelos de
capacitação que mesclam conteúdo rápidos em sala de aula com a prática no gemba. Esse
modelo, além de garantir a capacitação efetiva do novo colaborador, expõe o mesmo à um
ambiente fértil para trocas sociais.
Capacitar os colaboradores (liderança sênior e executiva principalmente) para o novo
cenário de transformação cultural e digital é um tópico quente na agenda de qualquer
grande corporação. Portanto, montar um modelo eficiente, que exponha o colaborador
gradualmente aos novos desafios de maneira pragmática e disciplinada é a chave para o
novo cenário do mercado.
Para finalizar, deixo uma citação do grande mestre Taichii Ono que materializa a
importância da formação dos colaboradores.
“Why not make the work easier and more interesting so that people do not have to sweat?
The Toyota style is not to create results by working hard. It is a system that says there is no
limit to people’s creativity. People don’t go to Toyota to work they go there to think”.
Mais do que formar líderes, o desafio nos dias atuais, é desenvolver pessoas.
Notas:
1 - por mais que o processo de aprendizado se estruture de maneira linear, as fases se
intercalam ao longo do tempo. Mestres que exercitam o Ri estão em constante aprendizado
e podem ao mesmo tempo estar praticando o Ha, a iteração é orgânica, uma vez que novas
técnicas ( Shu ) surgem ao longo do tempo.
2 - é da natureza humana assumir que estamos em um nível mais avançado de onde
realmente estamos. Assumir por exemplo que somos Ri quando na verdade ainda estamos
no Ha. O objetivo do conceito mais do que a busca pelo Ha, é a manutenção constante da
melhoria contínua.