Por: Rodolfo Luz
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Após estudar o Sistema de Toyota de Produção (STP), Womack e Jones foram atrás de empresas que se inspiraram no STP para criar suas próprias organizações enxutas. Nesta busca conseguiram observar e consolidar os principais padrões e princípios adotados por essas empresas que fizeram as mesmas saírem da gestão convencional e dar um salto rumo à empresa enxuta, um verdadeiro "Salto de Fé" que deu muito certo para estas empresas e continua dando certo para as novas empresas que se inspiram na filosofia Lean. É este salto (o qual apelidei de "Salto de Fé" por requerer coragem e determinação) que os autores incentivam que as empresas de qualquer segmento deem utilizando os princípios do Lean Thinking. Pensar de forma enxuta (Mindset) é o primeiro passo para formar a liderança Lean na organização.
Imagem: pixabay.com - texto adaptado do inglês. Autor desconhecido.
Lean
Lean - “enxuto” em português - foi o termo encontrado por Womack e Jones para popularizar este conceito e filosofia de gestão no ocidente, que trata principalmente de identificar e eliminar desperdícios em qualquer área da empresa que se agregue valor (Gemba) por meio de diversos princípios e ferramentas. Portanto, uma tradução para o português em uma única palavra seria simplista demais, mas sim em uma frase: “trabalhar de forma enxuta eliminando desperdícios”.
Lean Thinking - o antídoto para o desperdício
O livro "Lean Thinking" - versão em português "A Mentalidade Enxuta nas Empresas" - é considerado o "livro mestre" da filosofia de gestão Lean. Após escrever "A Máquina que Mudou o Mundo" em 1990 com o estudo do STP, os autores James P. Womack e Daniel T. Jones fizeram um novo estudo durante 4 anos em parceria com mais de 50 empresas que se inspiraram na Toyota. Com este estudo, conseguiram identificar os cinco princípios Lean que resumiam toda a essência destas empresas que se inspiraram no STP, consolidando assim, o Lean Thinking.
Versões Lean Thinking em inglês e português: Lean Enterprise Institute/Editora Campus/Elsevier
O livro se tornou uma referência aos quais quase toda bibliografia sobre Lean se baseia. Consolidado na primeira edição de 1996, o livro "Lean Thinking" é referenciado em quase todas as publicações sobre o tema, aplicado a qualquer área de atuação. Este livro realmente trouxe consigo um Mindset - uma forma de se pensar, enxergar e perceber de maneira Lean, conforme explico um pouco mais neste artigo.
O Lean Thinking é a fórmula e antídoto para os desperdícios das organizações.
Cinco princípios do Lean Thinking
Womack e Jones reuniram os princípios comuns e realmente transformadores das empresas que estudaram consolidando então os cinco princípios Lean Thinking, aos quais quase toda bibliografia Lean se baseia para derivar e decompor nas suas ideias. O próprio guia Lean IT Foundation da LITA criou suas próprias dimensões Lean IT inspiradas e alinhadas a cada um dos princípios Lean Thinking.
Princípios resumem-se em especificar qual é o real Valor para organização e o cliente, mapear o Fluxo de Valor para cada produto/valor identificado, fazer o valor fluir sem interrupções em Fluxo, deixar o cliente Puxe o valor do produto e buscar a Perfeição.
Cada um dos princípios será detalhado a seguir:
1# Valor (Value)
• O ponto de partida essencial para o pensamento enxuto (Lean Thinking) é o Valor. O Valor só pode ser definido pelo cliente final. Trata-se do produto e/ou serviço específico, que atenda às necessidades do cliente específico a um preço específico em um momento específico.
• Deve-se esquecer momentaneamente a técnica e a forma como os produtos são feitos e focar na real necessidade do cliente. Não adianta fazer algo tecnicamente perfeito se é algo que o cliente não deseja.
“Especificar valor com precisão é o primeiro passo essencial para o pensamento enxuto. Oferecer bem ou serviço errado da forma certa é desperdício.”
2# Fluxo de Valor (ValueStream)
O valor desejado pelos clientes deve ser mapeado da concepção à entrega, gerando assim o Fluxo daquele Valor para o cliente:
• Fluxo de Valor é o conjunto de todas as ações específicas necessárias para você levar um produto específico (seja ele um bem, um serviço, ou, cada vez mais, uma combinação dos dois) desde a concepção (surgimento da necessidade) e o nascimento do produto, passando pelo projeto detalhado e pela engenharia, ao produto acabado nas mãos do cliente. A identificação do fluxo de valor inteiro pra cada produto ou para família de produtos é o segundo passo no pensamento enxuto, um passo que as empresas raramente tentaram dar, mas que quase sempre expõe quantidades enormes e até surpreendentes, de desperdício.
• O ponto importante é que o fluxo de valor precisa ser mapeado além da empresa indo desde fornecedores empresas que envolvidas durante o fluxo de valor do produto.
Mapeando os Fluxos de Valor difere-se este dos demais Fluxos organizacionais que não geram valor algum ao cliente (processos estes que pela óptica do Lean devem ser eliminados imediatamente).
3# Fluxo (Flow)
Mapeados os Fluxos de Valor (As-Is) o terceiro passo é iniciar o To-Be - Realizar as mudanças para o funcionamento enxuto e a primeira delas é o Fluxo Contínuo ou simplesmente Fluxo:
• O conceito de fluxo, ou fluxo contínuo, diz que os passos de produção de um produto de valor ao cliente, deve seguir um fluxo contínuo, minimizando as esperas trabalhando de forma contrária à produção em lote (batch) e setorizada. O objetivo final do conceito de Fluxo é eliminar totalmente as paralisações em todo processo de produção.
• Para isso, uma mudança radical (kaikaku) é necessária na forma de trabalho, seguindo os passos: Focalizar objeto ou valor real e jamais deixar que esse objeto ou objetivo se perca do inicio à conclusão; Ignorar as fronteiras tradicionais de tarefas, profissionais, funções (frequentemente organizadas em departamentos) para criar uma empresa enxuta, eliminando todos os obstáculos na forma contínua dos produtos; Repensar as práticas de ferramentas tradicionais de trabalho, a fim de eliminar as retrofluxos, sucata e paralisações de todos os tipos, a fim de que o projeto, a emissão de pedidos e a fabricação do produto específico possam prosseguir continuamente.
Em suma, concentre-se em gerenciar o fluxo de valor para o serviço ou bem específico, elimine as barreiras organizacionais criando uma empresa enxuta, realoque e dimensione corretamente as máquinas e/ou as pessoas, aplicando todo conjunto de técnicas enxutas, para que o valor possa fluir continuamente.
Um ponto muito interessante a se destacar do Lean Thinking é que também fala do aspecto e das características da motivação humana relacionado ao Fluxo: na psicologia existem estudos que falam que durante atividades motivadoras, a pessoa entra em estado de concentração e foco o qual alguns especialistas chamam de estado mental de Fluxo. O conceito de Fluxo contínuo do Lean tende a causar este mesmo estado mental motivacional. Trabalhar em Fluxo gera estado Mental de Fluxo.
4# Puxar (Pull)
A produção baseada na Puxada indica que a demanda do cliente é o gatilho para iniciar o fluxo de valor e a produção, onde só será produzido o que o cliente demandou, reduzindo ao máximo o desperdício e o volume de itens em estoque.
• Na área de Tecnologia da Informação, na maioria das vezes, o produto, software ou serviço só é produzido a partir de uma demanda, portanto o conceito já é aplicado à área, contudo, os requisitos também devem ser puxados pelo cliente, afim de não se fazer nada além do que o cliente necessite, o que seria um desperdício.
• Com os passos anteriores executados - identificado o real valor para o cliente, mapeado o fluxo de valor e mudança para o fluxo contínuo - É possível produzir qualquer tipo de produto com rapidez fazendo com que os clientes lhe digam o que precisam, ou seja, você pode deixar que o cliente Puxe o produto de você quando necessário, ao invés de empurrar os produtos, muitas vezes indesejados pelo cliente.
“Não fabrique produto algum a não ser que seja necessário; então, fabrique o produto rapidamente.”
5# Perfeição (Perfection)
Trata-se do princípio da melhoria contínua e o papel de cada ator envolvido com o Fluxo de Valor desenvolver um olhar Lean e identificar e propor melhorias no processo pelo qual é responsável:
• Os quatro princípios iniciais interagem entre si em um círculo poderoso. Fazer com que o valor flua mais rápido sempre expõe desperdícios ocultos no fluxo de valor e quanto mais você puxar, mais revelará os obstáculos ao fluxo, permitindo a sua eliminação.
• Equipes de produtos dedicadas em diálogo direto com o cliente sempre encontram formas de especificar o valor com maior precisão e muitas vezes, aprendem formas de ampliar o fluxo e a puxada também.
• Trabalhando em fluxo todos têm a visão de todo ciclo produtivo aumentando a transparência, um dos estímulos mais importantes para perfeição, pois permite que todos possam descobrir melhores formas de criar valor por meio de feedback quase instantâneo e a proximidade dos envolvidos ajuda em uma tomada de decisão mais rápida.
• A conversão de um sistema de produção clássico baseada em lotes e filas para o fluxo contínuo e eficaz com a produção puxada pelo cliente duplicará a produtividade da mão-de-obra ao longo do sistema total.
• A mudança radical inicial (Kaikaku) do fluxo de valor já contribui com melhoria substanciais que habilitam o ciclos de Kaizen à melhoria contínua do processo.
Kaikaku e Kaizen
Um conceito onipresente em todas as etapas Lean é o de Kaikaku/Kaizen. O Lean Thinking prega que a fórmula de sucesso do Lean para a transformação das organizações é a combinação de Kaikaku (mudança radical inicial) e Kaizen (melhoria incremental contínua):
• O Kaikaku é um dos mais importantes fatores para a grande virada e onde se colhem os primeiros benefícios em curtíssimo prazo, mas também é onde haverá os primeiros desafios, pois envolve mudança cultural e conceitual devido à saída da zona de conforto e da zona de inercia das organizações. Esta mudança radical, segundo os autores é o primeiro Salto rumo à organização enxuta para o qual apelidei de "Salto de Fé".
• Os Kaizen são ciclos de atividades e workshops periódicos voltados para disseminar os conceitos Lean para todos da empresa e estimular as pessoas a terem o Olhar Lean - um Prisma que lhe permita enxergar e eliminar desperdícios nas áreas produtivas. Os ciclos Kaizen visam a melhoria contínua dos processos que agregam valor ao negócio e principalmente ao cliente. Normalmente focada na melhoria de um fluxo de valor.
“A combinação de Kaikaku e Kaizen podem gerar melhorias infinitas rumo a Perfeição.”
Conclusões
Após conceituar a filosofia Lean e os 5 princípios-chave, o livro aborda os mesmos por meio de exemplos muito ricos e estudos de casos avaliados pelos autores com as contribuição das
mais de 50 empresas avaliadas.
Espero que tenham gostado deste meu compacto do livro e explicação do Lean Thinking. Considero este o guia-mestre
para o pensamento enxuto e formação de seu Mindset Lean.
A partir deste, é possível imergir em qualquer outra fonte de conhecimento
Lean conforme eu sugeri em meu último artigo.
Criar um mindset Lean (pensar, agir e enxergar de forma Lean) é o primeiro passo
indicado em boa parte das bibliografias sobre Lean no qual acredito muito, pois antes de qualquer transformação Lean, é vital que as pessoas conheçam, se fascinem e acreditem na filosofia. Somente assim, será possível dar o "Salto de Fé" rumo à Mentalidade Enxuta e à uma Organização Lean!
Imagem: http://tarlandaimee.blogspot.com.br/2015/07/leap-of-faith.html
Referência:
- Womack, James & Jones, Daniel.
Lean Thinking – A Mentalidade Enxuta nas Empresas. Editora Campus. 2004.
Artigo original:
https://www.linkedin.com/pulse/lean-thinking-o-salto-de-f%C3%A9-rumo-%C3%A0-mentalidade-enxuta-luz-pmp
Data da publicação:
09/04/2017
-
Rodolfo Luz
CI&T
Especialista em Gerenciamento de Projetos pela FGV e graduado em Análise de Sistemas pela PUC-Campinas, possui as certificações: Lean IT Foundation, PMP (PMI), Agile Scrum Foundation, Agile Service Projects, ITIL-F, Practitioner em Programação Neuro-Linguística e Fundamental Coaching Skills (ICI).
Atua hoje como Product Lead / Digital Strategist na CI&T sendo responsável por liderar o time no Value Stream de produtos de software com fomo em maximizar o valor entregue aos clientes. Responsável também por conduzir e proporcionar que as pessoas do time se desenvolvam em seus talentos, destravando seus maiores potenciais de modo a alcançar seus objetivos individuais.
Tenho experiência em liderança de projetos em áreas como Consultoria (PMO, BPM, ITIL, CobIT, Estratégia de TI), Desenvolvimento de Software, P&D (Mobile, Energia e Telecom) e Infraestrutura de ECM.
Trabalhou com clientes nacionais e internacionais de grande porte, incluindo Coca-Cola, Quala/Boasso Global, Banco Itaú, Huawei e Governo de MG, entre outros.
Além disso, atua como instrutor de treinamentos e autor de artigos sobre Lean, Gerenciamento de Projetos e TI, com paixão por Coaching, Mentoring e Desenvolvimento de Pessoas.